SISTEMAS DE ENSINO: heróis ou vilões?
Início da década de 1960. Alguns professores se associam e têm a iniciativa de abrir um curso preparatório para os vestibulares, principalmente para os cursos de Medicina e Engenharia. Os resultados são bons, a demanda aumenta e começa um círculo virtuoso que resulta na época de ouro dos Cursinhos: embriões dos mais antigos Sistemas de Ensino. As histórias têm pequenas variações, mas são muito semelhantes para a maioria deles. De lá pra cá, escolas de educação básica e editoras entraram nesse mercado e, hoje, já são quase uma centena de Sistemas de Ensino Estruturados (SEE) e espalhados por todo o Brasil, que oferecem suas parcerias para as escolas privadas (estima-se 40% delas) e públicas, tendo, a maioria deles, surgido nos últimos 30 anos. Apesar do grande número de SEE e da força desse segmento, não há nenhuma associação ou grupamento com ação realmente representativa. Existe a Associação Brasileira dos Sistemas de Ensino (ABRASE), que nunca funcionou de fato.
Por que uma escola busca uma parceria com um Sistema de Ensino?
Normalmente uma escola começa suas atividades a partir da Educação Infantil, sem grande estruturação pedagógica e de forma relativamente empírica. À medida que cresce, em número de alunos e cursos, seus problemas também aumentam, principalmente quanto às questões pedagógicas e educacionais: como estruturar um planejamento pedagógico e torná-lo articulado?
Como garantir uma linha de aprendizado ao longo dos cursos?
Quais os referenciais teóricos a serem garantidos ou perseguidos?
Qual livro didático a ser adotado? Aí, surge a possibilidade de se fazer uma parceria com um grupo educacional estruturado, que já pensou na solução daqueles problemas, construiu uma proposta e um produto de A a Z e que pode oferecer uma solução integrada. Todo esse suporte, em princípio, se traduz no uso de um planejamento pedagógico e materiais didáticos comuns.
Porém, há muito tempo, a parceria não se resume a isso, quase todos os sistemas oferecem às escolas associadas apoio pedagógico (plantão de dúvidas, suporte ao professor, linhas diretas etc.), capacitação dos educadores (cursos ou palestras sobre temas que ajudam na atualização e/ou formação dos educadores), avaliação do aprendizado dos alunos (provões, simulados etc.), além de outros produtos e serviços como veremos mais adiante. Mas essa não é a única via geradora da associação. Nos dias atuais, vemos fusões e parcerias em todos os segmentos, mostrando que essa tendência geral é muito maior do que um modismo.
Na verdade, é uma necessidade de sobrevivência em qualquer ramo de atividade empresarial. A razão desse fenômeno é a crescente complexidade na estruturação e no funcionamento das instituições, particularmente no ramo da educação. A sociedade, os pais e os alunos estão cada vez mais exigentes e com novas necessidades, os profissionais precisando de muita capacitação para lidar com as novas realidades, a competição é implacável, não há margem para se repassar para os preços, os erros ou experiências; o cuidado com os custos é a única opção de se obter bom resultado para sobreviver e investir… há de se ter profissionalismo em todas as áreas. Enfim, são tempos bicudos que exigem o máximo dos gestores. Assim, ter um parceiro experiente, competente e com mais recursos pode significar toda a diferença, trazendo soluções e qualidade para a instituição.
Agora vamos fazer uma ressalva importante: nenhum material didático garante, por si só, qualidade na educação.
Primeiro porque qualquer material didático será sempre só um referencial teórico no processo educacional, sendo uma trilha e não um trilho que define a aprendizagem dos alunos. O livro pode ajudar o aluno no seu estudo, mas a aula define o seu aprendizado. Essa, sim, é um fator decisivo na qualidade da educação. Todavia, a aula é uma construção coletiva do professor com os seus alunos e sempre estará muito distante de qualquer tutela pretendida por qualquer material didático. Tanto é verdade que dentro de um grupo de escolas associadas a um sistema, existem aquelas que oferecem uma excelente qualidade de educação e, outras, nem tanto. Se o sistema ou material didático garantissem essa qualidade, todas seriam no mínimo semelhantes, mas não são – as diferenças são enormes. Aliás, isso é muito bom, a parceria deve orientar, subsidiar, fornecer meios e recursos, no entanto não deve pasteurizar ou tutelar as escolas parceiras. Antes deve respeitar as suas individualidades e reforçar a autonomia de cada uma delas, dando-lhes o suporte necessário para que cresçam com as suas características próprias e que os seus diferenciais frutifiquem. Nesse aspecto, os Sistemas de Ensino funcionam muito mais parecidos com os processos de “licenciamento” do que com os processos de franquia, daí essa característica de respeitar os associados naquilo que é saudável ser diferente e que não compromete a marca licenciada (não franqueada).
Então, se o material didático não é o fator mais relevante, para que serve a associação com os Sistemas de Ensino? Ora, essa associação não pode se resumir aos materiais didáticos de uso comum, por melhor que se possa considerar que eles sejam. A associação deve corresponder a uma satisfação de necessidades, interesses, propostas e intenções mútuas, em que os produtos e serviços oferecidos, nas várias áreas do funcionamento da escola, promovam o desenvolvimento dessa escola como um todo. Por isso, qual é o melhor sistema ao qual uma escola deve se associar? Sem nenhum perigo de uma opinião demagógica ou evasiva, a resposta deve ser: depende da escola, das suas necessidades, das suas características. Há sistemas que oferecem produtos e serviços mais adequados a esta ou àquela realidade, dando mais sinergia em alguns aspectos e menos em outros, mais afinidade para uma escola e menos para a outra. Daí a necessidade de a escola buscar o parceiro adequado para ela, pois qualidade não é um fator absoluto, mas relativo à realidade de cada escola e de sua comunidade interna e externa.
Filosofias, propostas, afinidades, credibilidade, honestidade, produtos, serviços, preços etc. são alguns dos fatores a serem levados em consideração na hora de se escolher o melhor sistema ao qual se associar. Alguns sistemas oferecem, além dos vários materiais didáticos (livros, resumos, tabelas, agenda, material do professor etc.), do suporte pedagógico, da formação contínua dos educadores e das avaliações coletivas do aprendizado dos alunos, outros produtos e serviços. Por exemplo, cursos a distância para a comunidade, palestras para pais e alunos em cada escola parceira, orientação educacional às famílias, suporte e orientação quanto aos vestibulares, portais e sites na internet, olimpíadas culturas, intercâmbios etc. Além das áreas pedagógica e educacional, há outros tipos de produtos e serviços. Há sistemas que já oferecem suporte ao processo de marketing da escola, desde a orientação para a captação e matrícula de alunos novos até a completa campanha de marketing feita e entregue para a escola parceira. Há, ainda, quem ofereça softwares de gestão para os parceiros, ou ainda, orientações contábeis, jurídicas e de ordem administrativa e financeira, além de informações estratégicas aos parceiros, para que esses possam tomar decisões mais balizadas e fundamentadas em dados concretos da sua região e dos seus concorrentes. Enfim, as parcerias se ampliam e se tornam cada vez mais complexas e completas, tornando o binômio escola-sistema um conjunto verdadeiro de afinidades, interesses e intenções.
Por outro lado, muitas são as críticas feitas a essas associações. A primeira e mais comum delas é quanto ao uso de “apostilas”. Essa crítica vem do tempo que os antigos sistemas usavam um material didático de pouca qualidade conceitual e editorial, feito por uma série de cortes e recortes dos livros didáticos, eram verdadeiras “próteses”, originário do termo latino postilla.
Hoje, nada mais lembra algo que justifique essa crítica ou referende o nome apostila para o material didático, pois quase todos os sistemas desenvolveram livros didáticos tão bons quanto qualquer outro, ou – em muitos casos – até melhores do que aqueles que são vendidos isoladamente. Outra crítica comum é afirmar que uma educação construtivista não pode usar “apostilas”, ou seria até melhor se fosse dito: “não pode usar nenhum livro didático”. Bem, aí a “culpa” não é dos Sistemas de Ensino, pois, afinal, será que o material didático define a concepção pedagógica da escola? Ou será que a perspectiva construtivista passa muito mais por uma concepção de educação, por uma postura pedagógica maior, que pode usar esse ou aquele referencial – material didático, sem comprometer a sua ação como educador? Sem polemizar, essa crítica nos parece mais uma mera tentativa de desqualificação pouco fundamentada. Outra estocada vem dos próprios sistemas que se acusam mutuamente. Alguns, por serem escolas que têm cursos de todos os níveis, acusam aqueles que têm só cursos pré-vestibulares ou só editoras, de não terem o laboratório necessário para as suas referências educacionais.
Contudo, se assim fosse, não haveria livro didático que pudesse ser criado por uma editora. Claro que o que vale é a qualidade, conhecimento e experiência dos profissionais que são responsáveis pela proposta, pelos produtos e pelos serviços do sistema. Além disso, há toda uma rede de escolas que já usa aqueles materiais, produto e serviços e que pode criticá-los, julgá-los e referendá-los. Assim, ter uma escola própria não garante ao sistema a qualidade pretendida. Ainda há quem afirme que as boas e grandes escolas não se associam a nenhum sistema. Vejamos, ainda que fosse verdade – o que não é –, não seria uma crítica válida, pois o fato de não se associarem não invalida a associação de outras escolas, portanto, por uma questão de lógica, o argumento é falacioso. De mais a mais, os sistemas têm grandes escolas associadas, muitas de grande tradição e conceito na comunidade local. Enfim, as críticas mais comuns são capengas e não deveriam justificar o preconceito que alguns nutrem contra os Sistemas de Ensino.
É importante lembrar um fato relevante: muitas escolas associadas a sistemas trocam de “bandeira”, ou seja, buscam novas associações. Tais mudanças se devem a insatisfações geradas pelos preços cobrados, expectativas não atendidas ou serviços mau prestados. De todo modo, é natural que uma escola busque um novo parceiro que atenda as suas necessidades. Mas claro que essa mudança não é fácil, afinal uma associação implica, para o associado, num grande comprometimento com o sistema, envolvendo os professores, os alunos, os pais, o nome da escola e a marca do sistema etc. Portanto, essa separação não é indolor e exige muito cuidado do gestor, pois ele põe em jogo a própria credibilidade da escola que, até aquele momento, defendia aquela “bandeira” e agora terá que defender outra. Contudo, o gestor não pode ser refém de uma situação. Se existe a necessidade real de mudança, que ela seja feita de forma planejada e transparente para a sua comunidade, lembrando que a mudança é melhor recebida pelas vantagens do novo do que pelos defeitos do antigo.
Há de se lembrar, ainda, que hoje os sistemas são uma realidade construtiva em muitas redes municipais de educação, potencializando e organizando o trabalho das prefeituras, que podem usufruir desses sistemas como qualquer outra escola privada, levando suas vantagens para toda a rede. Ser contra essa parceria sob a crítica de que a educação pública perde a sua identidade é desconhecer aquilo a que já nos referimos anteriormente. Nada justifica excluir da educação pública essa possibilidade que deve ser uma opção discutida e assumida pela comunidade escolar.
Finalmente, os modernos Sistemas de Ensino não são uma moda, são uma tendência natural do mercado educacional.Vieram para ficar e crescer com os seus associados, sem desconsiderar que há espaço e respeito pelas muitas escolas independentes que sempre existirão.
Associar-se ou não? Depende de cada escola.
Esse ou aquele sistema? Depende de cada escola.